Velhos
e velhas caminham no parque. Vão perdidos de si na lembrança de quando as suas
pernas serviam para mais coisas. E para mais destinos. Levam visões esquecidas
da pele engelhada. A memória generosa das coisas antigas traz as suas mães.
Velhos
e velhas caminham no parque, de mãos dadas com as mães a sorrir de orgulho. Com
as mães a sorrir.
Às
vezes os corações saem e correm pelos trilhos refeitos da infância. Corações
alegres, a baloiçar, empurrados pelas mães que sorriem.
Crianças
velhas caminham pelo parque. Sombras rectas de corpos curvados. Sorrisos
viçosos em bocas tolhidas. O ar entra e sai dos seus corpos como se respirar
fosse ainda um projecto de vida. Como se precisassem do peito para o amor da
carne.
Amantes
velhos caminham no parque. Vão perdidos de si na lembrança de quando as suas
pernas serviam para mais caminhos. E para mais destinos. Forçam os passos para
que a vida não fique ali parada de vez, na varanda gasta da cozinha. Velhos e
velhas, a acender os contornos geométricos do parque, para que sempre haja
memória da forma que tudo tinha quando o ar ainda entrava e saía dos seus
corpos de livre vontade.
Velhos
e velhas caminham no parque. Vão perdidos de si na esperança de que o chão seja
mais do que pouso para as coisas de ver e pensar.
"Os velhos", em "Poemas simples para corações inteiros", Poética edições, 2017
"Os velhos", em "Poemas simples para corações inteiros", Poética edições, 2017
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